A obra Machadiana contém muitas armadilhas, daí a importância do leitor estar atento a tudo que o narrador, Bentinho, que acredita que sua amada ( Capitu) o traiu com seu melhor amigo Escobar, com o trecho, “a namorada adorável dos quinze anos já não escondia dentro dela a mulher infiel, que adiante o enganaria com o melhor amigo?”, induzindo o leitor a acreditar no mesmo, ao passar na narração se formos observar as migalhas de pão deixadas há um grande equivoco nos fatos, já que a historia é contada por Bentinho; então fica a duvida Capitu é culpada?
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A principal diferença entre as duas mulheres é que Luísa (O Primo Basílio) revela-se frágil, um objeto nas mãos do homem a quem cabe determinar seu destino.
Capitu (Dom Casmurro), por outro lado, é mais forte e achando-se inserida nos padrões vigentes da sociedade patriarcal onde a mulher é reduzida à passividade total, ela deve casar-se, mas escolhe o marido.
Em relação ao adultério, que em Dom Casmurro é mera especulação, Luísa se supõe apaixonada pelo primo, já que na verdade se deixa levar pelas leituras que realiza e também pela opinião leviana da vulgar amiga Leopoldina.
A ameaça da denúncia por parte da chantagem de Juliana lhe desperta medo do marido e não receio da perda do respeito público e da dignidade.
O Primo Basílio é um romance realista, um estudo de caso, pois representa um fato social visto através de uma convicção realista. Luísa é a personificação da tendência mórbida de uma época e aí está a moralidade incisiva do livro: a moral do romance não está no fato de que a personagem principal morre depois da queda, está em que “ela não podia deixar de cair”. O autor nos impõe um caráter negativo, uma personagem títere e não uma pessoa moral.
Como Machado de Assis já observara em sua crítica, Luísa é uma mulher conveniente e enfadonha que, como ser inerte que é, apenas é empurrada por Basílio. O modo de ser de Luísa está sempre relacionado com o seu modo de agir. Luísa atua lendo e essa atuação a revela como uma mulher ociosa, ingênua, sonhadora e patética que se espelha nas heroínas dos romances que lê e se deslumbra com a figura romântica do primo. Na verdade, a personagem é produto de uma visão determinista que concebe o ser humano como resultado da relação raça, meio e época. Além disso, através da visão machista do autor, a personagem feminina nos é apresentada como vítima da vaidade e do “marginalismo lisboeta”. É uma mulher sem personalidade marcante, frágil demais para resistir às tentações e é levada puramente pelas circunstâncias. Nesse sentido, pode-se dizer que o papel da mulher queirosiana é um papel subalterno, isso porque tanto Eça quanto a sociedade da época não estavam preparados para ver a mulher como um ser independente, capaz de possuir seus próprios questionamentos e visão de mundo.
Por outro lado, a genialidade de Dom Casmurro está, principalmente, no fato da narrativa atuar como a possibilidade de restauração da memória numa tentativa de recuperá-la, deixando rastros para simultaneamente resgatá-la, embora sempre despistando o leitor, ao procurar restaurar o “vivido” vicariamente pela mediação de uma narrativa subjetiva e movediça. Nesse sentido, a memória seria uma ferramenta para a compreensão de um mundo sujeito à transformações vertiginosas, mas que deve ser valorizada enquanto experiência vivida.
Não é incorreto pressupor que o narrador Casmurro/Bentinho ao escrever coloca em prática uma intensa vontade de recuperar o tempo perdido, um resgate ao que não mais existe. Esse tipo de escrita busca uma inteireza supostamente vivida e acabada e, em última instância, pretende representar o irrepresentável, pensar o impensável, presentificar uma ausência. O processo de escrita estabelecido pelo narrador em primeira pessoa é a junção frágil de fragmentos, que mimetiza as trilhas imprecisas da memória, misturando os sentimentos de sua adolescência com as impressões de agora. A narrativa surge a partir da necessidade em resolver um conflito antigo e isso é facilmente percebido no romance. Bentinho ao construir uma casa igual a da sua infância não intenciona apenas redefinir seu eixo interior, mas almeja restaurar na velhice a adolescência, cuja vitalidade não soubera conservar. Levado por um pessimismo crescente que perpassa toda a narrativa, o narrador procura reviver aquilo que lhe maculou a sensibilidade usando de um processo racional para nos contar suas memórias.
Isso posto, em Dom Casmurro, o leitor deve levar em consideração que percorre um caminho arenoso, onde nada é o que parece ser, principalmente naquilo que tange a mulher. Em princípio, deve-se desconfiar de narradores que enfatizam dizer sempre a mais pura verdade e o delírio de suas fantasias contribui ainda mais para embaçar o leitor. Longe de serem heróis, esses personagens-narradores são pessoas desajustadas, desiludidas, vítimas de suas próprias inquietações. Apesar disso, conquistam facilmente a atenção do leitor, que num processo catártico vê neles suas frustrações reveladas. Nesse sentido, Machado desenvolve uma prosa realista, hábil ao compor complexos retratados psicológicos se distanciando tanto da idealização romântica quanto dos exageros cientificistas do Realismo-Naturalismo. Soube revelar os meandros da alma humana e combater, através da ironia sutil, as mazelas de nossa sociedade, ainda colonial escravocrata e autoritária.
Nos dois romances as duas mulheres estão sujeitas a um sistema moral de que participam de forma passiva, na medida em que não detém a palavra, mas ao contrário é falada, repetidora de um discurso, da qual não é o sujeito. Sabendo-se que é através da linguagem que se instaura toda forma de poder, esse discurso mistificador e exterior coloca a questão da sexualidade feminina, em uma sociedade patriarcal, num lugar de nenhum privilégio, onde as heroínas são sempre vítimas. A discussão da sexualidade funciona como um modelo inicial de dominação e está profundamente relacionada com outros elementos do contexto social.
A partir daí, da palavra cassada, as personagens femininas têm a vida cassada, interiorizando uma linguagem que não é a sua própria, mas uma linguagem autoritária que as reduz inconscientemente ao silêncio. Tanto Luísa quanto Capitu só têm a possibilidade de ocupar um espaço dentro da sociedade em que vivem: aquele que lhes é reservado pela expectativa criada por uma ideologia autoritária e patriarcal. A nenhuma delas é possível sair de seu espaço restrito para se aventurar num mundo mais amplo, mundo este do trabalho e da realização pessoal. Ao propagarem um discurso alheio, masculino e arbitrário, essas heroínas são, também, criaturas criadas por autores masculinos que falam por elas.
Eça cria uma personagem sem forma definida, totalmente submissa ao marido e ao amante. Sua intenção moralizadora se revela tanto no caráter dos personagens quanto na punição da adúltera. A moral defendida pelo escritor português é uma moral de mão dupla: há interdição do adultério feminino, mas a infidelidade do marido não interessa à sociedade nem tampouco é punida. Machado de Assis, ao contrário, cria uma personagem que rompe com o código social e transgride as normas patriarcais que se impõem. Capitu não é uma mulher submissa e quando interrogada a respeito da traição, opta por calar-se em prol de sua dignidade e honra. Enquanto Eça não estava preparado para criar uma mulher independente, Machado, com a escrita bastante amadurecida e gozando da melhor fase de sua produção literária, consegue compor uma personagem enigmática justamente por não se deixar afetar pelas neuroses do marido. Capitu é punida com o degredo, mas o narrador sofrerá a vida inteira pela culpa e solidão. Se Eça pretendia (e o fez) denunciar a família lisboeta, uma sociedade fundamentada em bases falsas, Machado denuncia o próprio ser humano, cuja infidelidade é apenas uma das mazelas de ordem moral que aflige a todos."
Capitu (Dom Casmurro), por outro lado, é mais forte e achando-se inserida nos padrões vigentes da sociedade patriarcal onde a mulher é reduzida à passividade total, ela deve casar-se, mas escolhe o marido.
Em relação ao adultério, que em Dom Casmurro é mera especulação, Luísa se supõe apaixonada pelo primo, já que na verdade se deixa levar pelas leituras que realiza e também pela opinião leviana da vulgar amiga Leopoldina.
A ameaça da denúncia por parte da chantagem de Juliana lhe desperta medo do marido e não receio da perda do respeito público e da dignidade.
O Primo Basílio é um romance realista, um estudo de caso, pois representa um fato social visto através de uma convicção realista. Luísa é a personificação da tendência mórbida de uma época e aí está a moralidade incisiva do livro: a moral do romance não está no fato de que a personagem principal morre depois da queda, está em que “ela não podia deixar de cair”. O autor nos impõe um caráter negativo, uma personagem títere e não uma pessoa moral.
Como Machado de Assis já observara em sua crítica, Luísa é uma mulher conveniente e enfadonha que, como ser inerte que é, apenas é empurrada por Basílio. O modo de ser de Luísa está sempre relacionado com o seu modo de agir. Luísa atua lendo e essa atuação a revela como uma mulher ociosa, ingênua, sonhadora e patética que se espelha nas heroínas dos romances que lê e se deslumbra com a figura romântica do primo. Na verdade, a personagem é produto de uma visão determinista que concebe o ser humano como resultado da relação raça, meio e época. Além disso, através da visão machista do autor, a personagem feminina nos é apresentada como vítima da vaidade e do “marginalismo lisboeta”. É uma mulher sem personalidade marcante, frágil demais para resistir às tentações e é levada puramente pelas circunstâncias. Nesse sentido, pode-se dizer que o papel da mulher queirosiana é um papel subalterno, isso porque tanto Eça quanto a sociedade da época não estavam preparados para ver a mulher como um ser independente, capaz de possuir seus próprios questionamentos e visão de mundo.
Por outro lado, a genialidade de Dom Casmurro está, principalmente, no fato da narrativa atuar como a possibilidade de restauração da memória numa tentativa de recuperá-la, deixando rastros para simultaneamente resgatá-la, embora sempre despistando o leitor, ao procurar restaurar o “vivido” vicariamente pela mediação de uma narrativa subjetiva e movediça. Nesse sentido, a memória seria uma ferramenta para a compreensão de um mundo sujeito à transformações vertiginosas, mas que deve ser valorizada enquanto experiência vivida.
Não é incorreto pressupor que o narrador Casmurro/Bentinho ao escrever coloca em prática uma intensa vontade de recuperar o tempo perdido, um resgate ao que não mais existe. Esse tipo de escrita busca uma inteireza supostamente vivida e acabada e, em última instância, pretende representar o irrepresentável, pensar o impensável, presentificar uma ausência. O processo de escrita estabelecido pelo narrador em primeira pessoa é a junção frágil de fragmentos, que mimetiza as trilhas imprecisas da memória, misturando os sentimentos de sua adolescência com as impressões de agora. A narrativa surge a partir da necessidade em resolver um conflito antigo e isso é facilmente percebido no romance. Bentinho ao construir uma casa igual a da sua infância não intenciona apenas redefinir seu eixo interior, mas almeja restaurar na velhice a adolescência, cuja vitalidade não soubera conservar. Levado por um pessimismo crescente que perpassa toda a narrativa, o narrador procura reviver aquilo que lhe maculou a sensibilidade usando de um processo racional para nos contar suas memórias.
Isso posto, em Dom Casmurro, o leitor deve levar em consideração que percorre um caminho arenoso, onde nada é o que parece ser, principalmente naquilo que tange a mulher. Em princípio, deve-se desconfiar de narradores que enfatizam dizer sempre a mais pura verdade e o delírio de suas fantasias contribui ainda mais para embaçar o leitor. Longe de serem heróis, esses personagens-narradores são pessoas desajustadas, desiludidas, vítimas de suas próprias inquietações. Apesar disso, conquistam facilmente a atenção do leitor, que num processo catártico vê neles suas frustrações reveladas. Nesse sentido, Machado desenvolve uma prosa realista, hábil ao compor complexos retratados psicológicos se distanciando tanto da idealização romântica quanto dos exageros cientificistas do Realismo-Naturalismo. Soube revelar os meandros da alma humana e combater, através da ironia sutil, as mazelas de nossa sociedade, ainda colonial escravocrata e autoritária.
Nos dois romances as duas mulheres estão sujeitas a um sistema moral de que participam de forma passiva, na medida em que não detém a palavra, mas ao contrário é falada, repetidora de um discurso, da qual não é o sujeito. Sabendo-se que é através da linguagem que se instaura toda forma de poder, esse discurso mistificador e exterior coloca a questão da sexualidade feminina, em uma sociedade patriarcal, num lugar de nenhum privilégio, onde as heroínas são sempre vítimas. A discussão da sexualidade funciona como um modelo inicial de dominação e está profundamente relacionada com outros elementos do contexto social.
A partir daí, da palavra cassada, as personagens femininas têm a vida cassada, interiorizando uma linguagem que não é a sua própria, mas uma linguagem autoritária que as reduz inconscientemente ao silêncio. Tanto Luísa quanto Capitu só têm a possibilidade de ocupar um espaço dentro da sociedade em que vivem: aquele que lhes é reservado pela expectativa criada por uma ideologia autoritária e patriarcal. A nenhuma delas é possível sair de seu espaço restrito para se aventurar num mundo mais amplo, mundo este do trabalho e da realização pessoal. Ao propagarem um discurso alheio, masculino e arbitrário, essas heroínas são, também, criaturas criadas por autores masculinos que falam por elas.
Eça cria uma personagem sem forma definida, totalmente submissa ao marido e ao amante. Sua intenção moralizadora se revela tanto no caráter dos personagens quanto na punição da adúltera. A moral defendida pelo escritor português é uma moral de mão dupla: há interdição do adultério feminino, mas a infidelidade do marido não interessa à sociedade nem tampouco é punida. Machado de Assis, ao contrário, cria uma personagem que rompe com o código social e transgride as normas patriarcais que se impõem. Capitu não é uma mulher submissa e quando interrogada a respeito da traição, opta por calar-se em prol de sua dignidade e honra. Enquanto Eça não estava preparado para criar uma mulher independente, Machado, com a escrita bastante amadurecida e gozando da melhor fase de sua produção literária, consegue compor uma personagem enigmática justamente por não se deixar afetar pelas neuroses do marido. Capitu é punida com o degredo, mas o narrador sofrerá a vida inteira pela culpa e solidão. Se Eça pretendia (e o fez) denunciar a família lisboeta, uma sociedade fundamentada em bases falsas, Machado denuncia o próprio ser humano, cuja infidelidade é apenas uma das mazelas de ordem moral que aflige a todos."
Fonte(s): http://www.filologia.org.br/soletras/13/14.html
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